Lá você vai encontrar passagens ótimas como esta:
O homem de critério, dotado de ‘inteligência moral’, para usar a concepção grega, sabe muito bem que o mal é perfeitamente possível (ele está onde deveria estar outra coisa, mas é previsível), e ocorre todos os dias diante – e dentro – de si. Ele tem uma consciência viva do mal pois sabe que a qualquer momento pode praticá-lo; e nada do que é humano lhe é estranho.
Já o moralista da transgressão escandaliza-se e não compreende, nem a pauladas, como é possível alguém viver desprendido dos parâmetros do hedonismo, sequer aplicáveis aos animais. Para ele o “homem virtuoso” pode ser explicado através de umas noções confusas de interesse próprio, egoísmo, uma vez que ele vê nos outros a si mesmo, como num espelho – aquele velho chavão atribuído ao Weltanschauung machadiano. O freudiano vai encontrar o motivo do seu agir em noções antropológicas pré-históricas (início do séc. XX). Aliás, toda a psicologia do séc. XIX para cá é pautada num modelo de homem acossado de patologias, como observou E. Voegelin.
O problema é visceral: ele simplesmente não tem presentes as condições de possibilidade para uma compreensão da virtude. Sua formulação interna da ética reside num labirinto de confusões auto-complacentes de quem, já que não logrou viver como pensa, acabou por pensar como vive. Sua vida interior é um emaranhado de “é que...”, “desculpe-me, mas eu...”, “é que não deu tempo...”, uma eterna auto-justificativa.
Surge o dogma da impossibilidade do bem; como ele não pode ser racionalmente defendido, os que o sustentam esgrimem argumentos de autoridade, partem para as vias de fato, vociferam, soltam um risinho irônico. Não adianta. Aos 40 anos de idade estão fritos; mais tarde dão nesses aposentados que não fazem nada o dia inteiro, vazios, banais, “Hmmm, chocolate... Doh! Marge, precisamos comprar mais sorvete napolitano” [H. Simpson, geladeira,1991].