06 janeiro 2007

Irretocável

Este texto do Paulo Guedes.

As economias de mercado são essencialmente mecanismos para a mobilização de recursos, instrumentos de coordenação de esforços produtivos. De um lado, temos os recursos econômicos: tecnologia, instalações industriais, mão-de-obra aperfeiçoada por educação e treinamento, organizações empresariais, instituições públicas e recursos naturais. A mobilização, a coordenação e o uso eficiente desses recursos pela lógica dos mercados produzem, por outro lado, uma fronteira de possibilidades de produção de bens e serviços. A invasão desse espaço por uma lógica de extorsão, baseada em poder político ou pressões de grupos de interesse, interrompe o mecanismo de criação de riqueza. Derruba a capacidade produtiva do país para bem abaixo das possibilidades permitidas em uma economia de mercado, por ineficiência, capacidade ociosa ou má alocação de recursos.

É um desastre quando a extorsão começa a se tornar parte da lógica da vida em sociedade, na tentativa de usar o Estado para apropriação de fatias da renda nacional. Repare nos efeitos sociais incendiários: uma elite de servidores públicos do Poder Legislativo tenta aumentar seus vencimentos em 90%, diante da inflação de 3% ao ano, enquanto outra elite, a do Poder Judiciário, com vencimentos mensais em torno de R$ 24 mil, contesta a pretensão do Legislativo, mas reivindica para si novos aumentos e vantagens adicionais.

Os sinais da nova lógica se irradiam. Um jovem da zona rural observa resultados mais rápidos filiando-se ao MST e invadindo terras em vez de cursar Agronomia para melhorar suas qualificações. Os sindicalistas acreditam que passeatas e manifestações, em vez de horas de trabalho e aperfeiçoamento profissional, sejam a chave para melhores remunerações. Empresários e grupos de interesse aproximam-se do Estado em busca de favores especiais. E, na semana passada, assistimos à vergonhosa disputa entre artistas e atletas por recursos de incentivos fiscais num país de miseráveis.