29 novembro 2005

Joãozinho

Joãozinho era um menininho loirinho de olhos azuis que nunca manifestou qualquer indício de preferência racial. Seus melhores amiguinhos na infância eram José, um crioulinho, e Hishiro um japinha boa praça.

Num belo dia Joãozinho quebrou o braço e seus pais o levaram ao pronto-socorro (a família de Joãozinho era pobre e não podia arcar com as despesas de planos de saúde e muito menos com o atendimento em hospitais particulares). Chegando lá, ele foi atendido por um médico incompetente que somente tinha conseguido ingressar no hospital por causa das cotas para afro-descendentes. O mau atendimento deixou Joãozinho com uma pequena seqüela no braço mas ele dizia sempre com bom humor:

- Tudo bem, gente. Tudo bem.

Um tempo depois, a família de Joãozinho tentou matriculá-lo em uma escola perto de onde moravam mas todas as vagas destinadas aos brancos estavam ocupadas. A única escola onde ele arrumou uma vaga foi uma que requeria duas horas para ir e mais duas para voltar. Nem assim Joãozinho se perturbou:

- Tudo bem, gente. Tudo bem.

Com muito esforço Joãozinho concluiu o ensino médio. Estudioso que era, se formou com boas notas e estava razoavelmente preparado para fazer o vestibular e tentar entrar em uma universidade pública. Joãozinho, tendo em vista o fato de não ter feito cursinhos preparatórios e coisas do tipo, até que não foi mal. Lamentavelmente ele não conseguiu uma boa classificação no ranking dos brancos. Mesmo vendo alguns conhecidos bem menos qualificados ingressando nas universidades públicas pelo simples fato de serem negros, Joãozinho manteve o bom astral:

- Tudo bem, gente. Tudo bem.

A vida ficou complicada para Joãozinho. Sua família não podia pagar uma universidade particular e então ele teve que arrumar alguns trabalhos durante o dia para custear sua universidade durante a noite. Foram cinco longos anos de sacrifício em que Joãozinho ralava sem reclamar.

Depois da formatura, Joãozinho foi à luta no mercado de trabalho. Após algumas entrevistas e muitas portas na cara, ele conseguiu um bom emprego numa empresa que desenvolvia sistemas de segurança de software. Joãozinho era um dos analistas de segurança junto com o filho do dono da empresa. Neste período, Joãozinho conheceu Maria com quem veio a se casar e esperavam seu primeiro filho.

Num belo dia, Joãozinho foi chamado à sala do dono da empresa. O dono, com semblante perturbado lhe disse:

- Joãozinho, você sabe que a maioria dos nossos contratos estão vencendo e muitos não serão renovados. Precisamos disputar licitações de empresas estatais, mas há um pequeno problema: elas exigem que haja um percentual de funcionários negros nos quadros das empresas fornecedoras. Não posso demitir meu filho, logo terei que dispensar você.

Joãozinho, numa das raras vezes em sua vida, ficou transtornado. Sua esposa estava prestes a ter o neném e ele ia perder plano de saúde e o emprego. Após se despedir dos colegas e sair do trabalho, perambulou pela cidade. Pensava em como daria esta notícia para a esposa. O desespero foi crescendo e, avoado, esbarrou num homem na rua que retrucou:

- Ô branquelo filho da puta, não olha por anda não?

Daí para o colapso foi um pulo. Joãozinho voou na garganta do homem com uma ferocidade inimaginável. Esmurrava o homem que, perplexo com a reação desproporcional, não esboçava reação. Segundo as testemunhas Joãozinho gritava sem parar:

- Isso é pelo hospital! Isso é pela escola! Isso é pela universidade! Isso é pelo meu emprego!

Mesmo com o homem já morto, Joãozinho só parou de espancá-lo quando a polícia chegou e o levou preso. Sua esposa, ao saber da notícia entrou em trabalho de parto prematuro e, devido a complicações, veio a falecer junto com o neném. Joãozinho ficou preso sem direito à fiança por Crime Racial e as manchetes dos jornais do dia seguinte diziam:

"Racista mata afro-brasileiro por causa de esbarrão"

E os líderes raciais exigiram das autoriadades mais atenção à causa negra porque, como foi provado pelo episódio com Joãozinho, o Brasil é um país extremamente racista.