Muitos estrangeiros - ignorância é um problema mundial, minha gente - não sabem que um dos mais valorizados e protegidos patrimônios nacionais é a nossa auto-estima. Faça um estrangeiro o que quiser por aqui, roube, seqüestre, transe com nossas crianças, use o país como esconderijo, enfim, o diabo!, mas nunca, eu disse NUNCA, fale mal do Brasil e, principalmente, do Rio de Janeiro (na verdade, para muitos cariocas, Brasil e Rio de Janeiro dão no mesmo).
Cidadão consciente dos meus deveres para com os irmãos do planeta, resolvi elaborar um pequeno, mas muito útil, guia do viajante para o Brasil. Este guia tem por objetivo tornar o visitante uma pessoa mais simpática aos olhos dos nativos, o que pode tornar a estada no Bananão menos sofrida, digo, mais prazerosa.
Em breve articularei meus contatos no Ministério do Turismo para que tenhamos o guia impresso e distribuído nas principais línguas do planeta. Vamos a ele:
DA VIAGEM
1. Dependendo do local onde o turista embarca rumo ao Brasil, ele pode se ver diante da espécie mais aterradora que existe sobre o planeta: o brasileiro-mirim. Se o vôo vier de Miami e em época de férias escolares, é batata! Mas não se desespere, já é uma boa chance de ir treinando o principal atributo para suportar a estada no Bananão: a paciência. Se um brasileiro-mirim estiver sentado atrás da sua poltrona, será treinamento intensivo!
Um pouco de compreensão é necessária. O brasileiro-mirim é um animalzinho criado em cativeiro sem adestramento. Quando se vêem em espaços amplos e sem grades, tendem a surtar e sair correndo para tudo que é lado, gritando feito loucos.
Dica: nunca exija dos pais do pimpolho que eles o disciplinem! Isso é uma ofensa inimaginável para um brasileiro. O comportamento recomendado é sorrir para os pais e dizer "criança é assim mesmo..." num tom próximo ao de um pedido de desculpas envergonhado. Se o viajante resolver ignorar esta recomendação e reclamar, certamente se tornará o pária do avião, ouvindo comentários do tipo "estressaaaado..." ou "é coisa de gringo, é tudo arrogante!"
2. Durante a viagem é possível que sente do lado do viajante um brazuca daqueles ferrenhos. Para este, tudo que há no Brasil é melhor do mundo e o brasileiro é o povo mais marvilhoso do mundo que reúne qualidades somente encontradas em divindades gregas e, mesmo assim,,nunca ao mesmo tempo. Este tipo não se cansa de usar estereótipos e clichês para sustentar seu ponto de vista e também não prima pela gentileza. Ele é capaz de esculachar a cidade natal de um gringo ao compará-la com uma do Brasil, mas tudo sem maldade claro!
Dica: nunca questione um estereótipo cuspido por um brasileiro! Não importa quão absurdo ele pareça e nem quantos dados você tenha que o desminta. Aliás, NUNCA conteste estereótipos com dados, isso é visto por aqui como gravíssima demonstração de arrogância. Tudo que o viajante tem que fazer é balançar a cabeça afirmativamente e dizer "humm-humm" como se aprovasse os absurdos que está ouvindo. Se o fizer, certamente o brazuca ira dizer para os amigos depois que viajou com um gringo tão maneiro que até reconhece quão superior o Brasil é ao lugar de onde veio.
DA CHEGADA
Ao chegar no aeorporto o turista terá o primeiro contato com nossa mais cultivada instituição: a otoridadi. É fundamental que o viajante desenvolva o olhar humilde para quando se dirigir a uma otoridadi, principalmente se for uma otoridai federal. Aqui no Brasil, "federal" é adjetivo que designa qualidade, importância, relevância. "- Cara, esse carro é federal!"siginifica que o carro é excelente, muito bom."-Putz, estou com uma dor de cabeça federal!" significa que a dor de cabeça é muito forte.
DA ESTADA
Agumas dicas de comportamento que facilitarão a aquisição de novas amizades no Brasil. Primeiro vamos definir amizade. No Rio de Janeiro, amigo é qualquer pessoa que você saiba o primeiro nome. Se souber o nome todo é amigo mais chegado. Se souber qualquer outro detalhe, é amigo íntimo. O brasileiro mais fraquinho no Orkut tem 986543212345678909876543 amigos.
Dica: cidades como o Rio de Janeiro não são reconhecidas pela qualidade do serviço. Mas não convém reclamar. O lance é embarcar nessa e passar a chamar serviço merda de serviço despojado ou casual. Se um brasileiro te levar no point da cidade e você achar o lugar uma titica, procure encher a cara. Ajuda bastante a mudar os parâmetros de qualidade. Não faça comentários esnobes e deselegantes tipo: "que lugar fedorento!", "tem uma baratona na mesa!", "o frango está cru!", "o copo está sujo!" ou "dá para me atender ou está difícil?" Quando o brazuca te perguntar do que achou do lugar, sorria e fale "Que exótico! Na minha terra não dessas coisas..."
Dica: ao andar pelas ruas do Rio de Janeiro alguns cuidados são necessários: (A) evite exibir objetos de valor tipo qualquer coisa que possa ser arrancado de você, (B) evite sandálias abertas, pois nossas ruas não famosas pela sua limpeza. (C) aprenda a dizer "não tenho trocado" que é a desculpa usada por ricos, remediados e pobres para não dar esmola para os 98765433456789 de pedintes que encontram diariamente nas ruas. Se algum brazuca, sabe-se lá o porquê, se mostrar envergonhado com algum desses detalhes, use a mentira que mais gostamos para confortá-lo: "-Cara, isso acontece em todas as grandes cidades do mundo!"
Dica: no Rio, quando for a uma de nossas praias recomenda-se um cuidado a mais (além de não levar nada de valor, ou seja qualquer coisa que possa ser arrancada de você): tome todas as vacinas que puder! Há uma crença entre os nativos de que na cidade do Rio estão as mais belas praias do mundo, com destaque para Copabacana. Quando você finalmente estiver frente a frente com a "Princezinha do Mar", evite ficar perto das línguas negras (esgoto lançado nas areias em direção ao mar) por motivos óbvios. Quando um carioca perguntar "-É ou não é a coisa mais linda que você já viu?" jamais responda "Tá maluco?!" pois isso fará de você o inimigo público número um! Para sair dessa sem mentir mas sem ofender a alma carioca basta dizer "Nunca vi igual na minha vida!"
Dica: em algum momento da sua estada no Brasil, alguém perguntará o que você está achando do brasileiro. Não importa que você só tenha conhecido uns poucos pontos turísticos da cidade e se relacionado com uma meia dúzia de gatos pingados nativos. Ele não quer uma análise aprofundada da nossa cultura e do nosso jeito de ser, ele apenas quer a sua aprovação. Tudo que você precisa dizer para se transformar no "gringo gente boa bagaray" é "-Que povo maravilhoso!". Certamente você ganhará ainda mais pontos se disser coisas como "-Sinto falta dessa energia, desse calor humano no lugar de onde venho!" ou "Me dá vontade de largar tudo e morar aqui!". Claro que nada disso impedirá que brasileiros enrolem você na intenção de faturar uns trocados. Amigos, amigos. Negócios à parte.
Por enquanto é só. Não posso divulgar mais senão alguém rouba minha idéia e perco a chance de obter patrocínio do Ministério do Turismo.
Update: se, em uma eventualidade, você for vítima de um raro ataque de criminosos e acabar se ferindo, não saia do país esbravejando "-Que selva! Não volto aqui nunca mais!" Além de atrair antipatia das otoridadis e dos nativos, seu país se tornará alvo da nossa zelosa imprensa que usará algum evento recente de tragédia para mostrar que os selvagens são vocês: "Americano, em cujo país trucidam-se crianças nas escolas diariamente, diz que não volta mais ao Brasil. Já vai tarde!" A resposta correta, neste caso, é "-Ora, isso acontece em toda grande cidade do mundo e não mudará minha opinião sobre o país. É claro que nas próximas férias considerarei a alternativa de voltar aqui."