31 dezembro 2006

O mundo de Sofia

Acabo de ler um texto do William Waack sobre a execução de Saddam. Além do conteúdo do texto, o que me chamou também a atenção foram os comentários, sempre eles. É incrível como as pessoas se julgam capazes de analisar táticas, estratégias e todas as movimentações das relações internacionais sem conhecer tudo que o que está em jogo. Fico me indagando por que os países gastam fortunas com serviços de inteligência quando tudo que precisariam fazer é consultar o analista ou aspirante mais próximo.

Seja na Globonews, seja no Globo seja onde for, é impossível não lembrar deste trecho do livro O mundo de Sofia que minha esposa e sua irmão estão planejando ler com minha sobrinha. Se tudo correr bem, muito em breve uma garotinha de 11 anos terá melhor visão de mundo que a maioria dos brasileiros.


Você está bem acomodada, Sofia? É muito importante para o restante do curso que você entenda bem a diferença entre um sofista e um filósofo. Os sofistas cobram por suas exposições mirabolantes, e a história registra que tais “sofistas” têm aparecido e desaparecido com bastante freqüência. Estou pensando agora naqueles professores e nos sabichões que ou estão satisfeitos com o pouco que sabem, ou então vivem se gabando de que sabem um monte de coisas das quais na verdade não fazem a menor idéia. Você certamente já encontrou “sofistas” como esses em sua vida. Um verdadeiro filósofo, Sofia, é alguém completamente diferente; é o extremo oposto.

(...)

Para ser mais preciso: a humanidade está diante de questões importantes, para as quais não é fácil encontrar uma resposta adequada. E então abrem-se duas possibilidades: podemos simplesmente enganar a nós mesmos e ao resto do mundo como se soubéssemos de tudo o que vale a pena saber, ou então podemos simplesmente fechar os olhos para essas questões importantes e desistir para sempre de ir em frente. Isto divide a humanidade em duas partes. De um modo geral, as pessoas ou acham que estão cem por cento certas, ou então se mostram indiferentes. (Esses dois tipos de pessoas são aquelas que ficam se arrastando lá embaixo da pelagem do coelho!) É como separar as cartas de um baralho, Sofia. Fazemos um montinho com as cartas pretas e outro com as vermelhas. De vez em quando, porém, aparece um curinga: uma carta que não é nem de copas, nem de paus, nem de ouros, nem de espadas. Em Atenas, Sócrates era como um curinga: nem cem por cento seguro, nem indiferente. Ele sabia apenas que nada sabia, e isto o atormentava. Então tornou-se filósofo, isto é, alguém que não desiste, que busca incansavelmente chegar ao conhecimento.

Curiosamente, o mundo moderno registra uma variante dos dois grupos definidos no parágrafo anterior. Não pega bem transparecer que você faz parte do grupo dos indiferentes. Num mundo com tanta informação à disposição, ninguém hoje em dia quer passar por alienado ou ignorante. Por outro lado, adquirir conhecimento, mesmo que ínfimo, requer algum nível de dedicação. Há que se gastar algum tempo lendo e pesquisando, atividades completamente incompatíveis com o tipo de vida badalada que é priorizado atualmente. Por isso as pessoas recorrem aos "sofistas" modernos que produzem um "pensamento crítico" pronto para ser consumido.

Basta adicionar água.

A coisa fica ainda mais interessante quando existe um monopólio dos "sofistas", como no caso do Brasil. As idéias circulantes são tão iguais que a pessoa se sente inteligente e culta mesmo falando a maior das asneiras. Não importa se sua afirmação viola as regras da lógica; nem mesmo importa que sua afirmação seja composta por orações que se contradizem. Todos estarão consumindo o mesmo produto e o que seria uma estupidez galática vira senso comum inquestionável.

Neste panorama, a distinção entre certo e errado vira uma questão de quantos apóiam uma ou outra idéia.