19 julho 2008

Se fosse em favela seria milícia

Não compartilho do mesmo entusiasmo por este tipo de iniciativa. A idéia não é novidade: moradores se reúnem para contratar serviços que deveriam ser prestados pelo governo local. Num país como o nosso isso é quase que inevitável. Mas o caso em questão está tomando contornos de máfia:


Não se trata, porém, apenas de uma flagrante ilegalidade que afeta o patrimônio público e geralmente fere também a legislação de uso do solo. Essas associações de bairros transformados em condomínios privados, sob os olhos e os aplausos das autoridades locais, adquiriram tal poder que se consideram no direito - que vem sendo contestado na Justiça - de impor sanções aos moradores que delas não querem fazer parte.

A reportagem mostra que a ação dessas associações gera dramas familiares. Por se recusar a pagar o que a associação de seu bairro, em Cotia, cobra a título de segurança e limpeza, uma proprietária teve sua casa penhorada. De acordo com a associação, da qual ela não faz parte, ela deve R$ 57 mil de mensalidades atrasadas para o "condomínio".

(...)

A legislação federal permite o fechamento de um loteamento e a cobrança obrigatória de mensalidades dentro de determinadas condições. Mas as prefeituras autorizam a formação de condomínios fechados ao público, mesmo sem a observação da legislação, porque, desse modo, não precisam mais oferecer ao bairro serviços que seriam de sua responsabilidade, como limpeza pública, conservação de ruas e manutenção de espaços de lazer.

Se a reportagem estiver correta, isso não é exemplo de iniciativa privada. O que temos são grupos impondo suas vontades àqueles que não desejam se associar a eles. E ainda entrando em conluio com as prefeituras para impor seus limites ao resto da população que se vê impedida de trafegar pelas ruas dos bairros privatizados.

Aí surge o dilema (*): quarenta casas se reúnem para melhorar o serviço de limpeza das ruas. Outras cinco, porém, estão satisfeitas com serviço atual e não querem aderir ao grupo. Ah, mas não é justo pois essas cinco casas usufruirão da limpeza proporcionada pelas outras quarenta. Como resultado, as quarenta casas impõem às outras cinco o pagamento de taxas de uma limpeza elas nunca quiseram.

Eu poderia alegar, se eu fosse um libertário, que a prefeitura também faz isso: impõe o pagamento de um serviço que não se deseja. Não quero entrar aqui no mérito de instituições públicas e etc. Aceito a premissa. Mas isso não torna legítima a imposição desses grupos privados. Mesmo por que, se libertário eu fosse, jamais apoiaria uma medida que viola, no mínimo, a liberdade de associação. Ou no popular: dois erros não fazem um acerto.

(*) Se não me engano (confesso a preguiça de ir checar), no seu excelente livro Capitalism and Freedom, Milton Friedman trata deste tema no capítulo sobre a função do governo numa sociedade livre.