13 julho 2008

Malandro é malandro, mané é mané

O Brasil seria um país muito diferente se o brasileiro fosse tão malandro quando acha que é. Apesar da fama de malandro, o brasileiro, em geral, tem aquela ingenuidade típica das crianças que mentem sobre quem quebrou o vaso, mas dormem ansiosas no dia 24 de dezembro, esperando a visita do Papai Noel.

Se fôssemos mais malandros, iríamos aceitar o fato de que há grupos de interesse em todas as esferas da vida. Repito: todas. Assim, quando ouvíssemos um político, jornalista ou blogueiro dizendo que só se preocupa com o bem-estar do povo ou com o futuro do Brasil, nossos alarmes internos disparariam alucinadamente.

Mas não. Curiosamente o brasileiro tem uma inexplicável necessidade de ceder ao maniqueísmo e achar que algumas pessoas agem motivadas apenas pelo bem comum, enquanto outras passam as 24 horas do seu dia planejando como roubar o último centavo dos pobres do país.

Uma vez estabelecidos os grupos dos bonzinhos e dos malvados, tudo que os membros de cada grupo fizerem será enxergado com a lente que melhor convém para que eles se encaixem no que o brasileiro espera deles. Um exemplo bem exagerado: se Paulo Maluf for visto salvando uma criança de um incêndio, o brasileiro dará um jeito de ver naquela ação algo de condenável: "Ah, salvou a criança mas deixou o cãozinho morrer. É um desalmado!"

O pior, na verdade, é quando ocorre o oposto. Apesar de toda a corrupção que corrói nosso sistema político, o brasileiro ainda tem uma fé inabalável no Estado. Ainda que os níveis de corrupção fossem mínimos, esta fé seria injustificada. Não há nada que qualifique um agente do Estado como alguém moralmente superior a um cidadão comum. Mas o brasileiro está sempre apoiando as medidas draconianas impostas por quaisquer esferas de governo. O brasileiro piamente acredita que o governo é uma entidade que visa a nada mais que o bem comum. Não consegue enxergar que, assim como o padeiro que quer lucrar mais com seus pães, o promotor - para citar um exemplo aleatório - também tem seus interesses pessoais, políticos e/ou financeiros. O promotor, assim como o padeiro, também quer ter carro zero, uma casa na praia e que seus filhos estudem nos melhores colégios.

Quando você assume que determinado grupo possui uma certa pureza, você baixa a guarda. Se o brasileiro tivesse, em relação ao Estado (*), metade da desconfiança que ele tem em relação aos empresários - palavra que, neste país, quase tem conotação negativa - as coisas talvez fossem diferentes por aqui.

(*) Aparentemente há uma contradição aqui: afinal, nossa imprensa caça políticos corruptos (nem todos, mas vá lá), nossos programas humorísticos caem na pele dos políticos corruptos e a própria palavra político se associou à corrupção. Como posso afirmar que um país assim confia no Estado? A diferença é sutil mas está lá: uma coisa é você acreditar que, não importa quem esteja no poder, sempre haverá grupos de interesse atuando e, por isso, os poderes concedidos aos agentes do Estado devem ser limitados; outra é acreditar que o problema reside nas pessoas erradas que, num determinado momento, ocupam o poder.