Tenho quase todos os livros do Giannetti. Gosto dele como economista e também gosto do seu estilo de escrever, ora usando termos populares extraídos do futebol, por exemplo, ora exibindo grande erudição. Ao meu ver ele peca em dois aspectos apenas:
(A) Tenta racionalizar o que não é para ser racionalizado. Um estudioso de filosofia como ele deveria saber certas coisas jamais serão provadas ou desmentidas na base do 2 + 2 = 4.
(B) É um pouco vasilina. Mas isso pode ser visto também como uma qualidade dependendo da situação.
Nesta entrevsita ele faz umas colocações interessantes, como esta sobre o imediatismo do brasileiro:
"Nós somos o fruto de três culturas imediatistas. A cultura indígena é pré-agrícola, o índio brasileiro estava vivendo num mundo que antecede o plantar para colher, extremamente imediatista. O negro escravizado estava numa situação em que nem o corpo pertencia a ele, não havia nada que ele pudesse fazer para melhorar o seu futuro, porque o futuro não dependia de nada que ele fizesse. Ele era de outra pessoa. E o português colonizador aventureiro vem pra cá, como dizia Sergio Buarque de Holanda, não para criar o paraíso mas para desfrutar o paraíso imediatamente, sem nenhum pensamento futuro. Essas três forças se miscigenaram muito bem no Brasil, o que eu acho um grande mérito histórico-cultural brasileiro, mas isso gerou uma cultura imediatista. São três correntes culturais e étnicas que, por razões diferentes, têm a sua psicologia temporal muito centrada no aqui e agora. O que é trágico para a economia, mas não é de todo mau para uma certa generosidade diante da vida, do que a vida pode oferecer."
Também flerta com conceitos perigosos (até o repórter que o entrevistava enxergou o perigo!):
"Vamos por partes. Primeiro, o que é essa afirmação? O Isaiah Berlin descreve dois conceitos de liberdade: liberdade negativa e liberdade positiva. Liberdade negativa é a ausência de restrições. Não tem censura, não tem cerceamento autoritário da minha liberdade de escolha. A liberdade positiva é a minha capacidade de exercer escolha. O que adianta eu estar num país que não tem censura, onde eu posso ler Joaquim Nabuco, Machado de Assis, o que eu quiser, se eu sou analfabeto? É vazio. O que refresca eu poder jantar no melhor restaurante da cidade, sem ser impedido pela cor da minha pele, se eu não tenho renda, se eu estou passando fome? A liberdade de jantar no melhor restaurante da cidade para uma pessoa passando fome é zero. Então, tem que ter as duas coisas. Quer dizer, você tem que ter a liberdade negativa – sem dúvida alguma, e disso não se pode abrir mão –, mas você tem que caminhar na capacitação, para que as pessoas possam efetivamente escolher caminhos. Senão, alguns ou muitos caminhos são puramente fictícios, são abstrações. A nossa deficiência de ensino fundamental tolhe terrivelmente a liberdade positiva, porque as pessoas não estão capacitadas para fazer escolhas, e muitas vezes nem se dão conta do que estão escolhendo. Têm uma enorme dificuldade, por exemplo, de antecipar conseqüências. Se eu fizer certas coisas agora, algumas conseqüências virão mais à frente. Então, não precisa ter nenhum tipo de totalitarismo. É só a sociedade se organizar minimamente para garantir que todo cidadão que nela existe tenha acesso a oportunidades educacionais que permitam exercer escolhas com um mínimo de competência, de capacitação."
Quando eu falei lá em cima sobre a tentativa dele de racionalizar o que não é para ser racionalizado me refeiro a colocações como estas:
"Quando eu vejo que as pessoas, diante da penalidade infinita que é a vida pecaminosa, pecam e se dizem religiosas, só posso concluir que elas não estão, lá no fundo, convencidas do que a doutrina prega. Se elas realmente estivessem convencidas disso, mudariam e se regenerariam."
Filosoficamente falando, esta é uma afirmação muito primária. O ser humano é imperfeito e não um santo. Corrijo-me: até os santos pecaram. Adotar uma religião - no caso uma religião cristã - significa tentar seguir seus dogmas e se arrepender pelos pecados cometidos. Aquele que nunca peca é um ser perfeito. E sabemos que, para o cristão, só há um ser perfeito.
Esta parte, no entanto, está perfeita:
"Eu me dei conta também de que nosso sistema de educação e de formação ainda está muito preso a um momento em que a expectativa de vida era mais baixa. Nós ainda não temos uma clareza quanto às implicações de viver em média 70, 80 anos, tanto materiais quanto espirituais. Agora, de uma coisa eu tenho certeza: a idéia de que a juventude é o único momento de uma vida humana em que você está pleno, isso vai ter que ser revisto. Você não pode passar 40 anos da sua vida nostálgico de uma coisa que perdeu. Isso aí nós temos que rever com muito cuidado, porque vai ficar muito melancólico para todos nós esse tipo de experiência. A vida não pode estar tão centrada nos valores juvenis como está hoje, o que leva até a um encurtamento da infância, e depois a uma depreciação do período enorme que se estende após a juventude. Nós vamos ter que repensar todo o ciclo da vida."
E esta, creio, entra em conflito com sua visão da religiosidade:
"Eu tenho a impressão que os valores espirituais vão ter que ser mais cultivados, porque a idéia de que os prazeres do sentido, os prazeres do corpo são a melhor coisa da vida – que está muito presente na época da juventude –, isso se esgota. Na maturidade, especialmente na velhice, você não vai ter o mesmo vigor. E se você não tiver construído alternativas de desfrute, de experiências prazerosas, a velhice vai ficar uma coisa sombria, melancólica, amarga, porque ela vai estar inteiramente calcada em lembranças de perdas, de possibilidades que se foram para sempre."
A não ser que ele não veja a religião como um meio de se cultivar valores espirituais.