03 agosto 2008

Momento divã

Não estou muito interessado nesse bafafá envolvendo figurões do governo e as FARC. Já ultrapassamos qualquer limite do razoável no que diz respeito ao relacionamento promíscuo da nossa imprensa com tudo que é relativo a este governo e à esquerda em geral.

Dando uma de psicólogo de boteco, quero dar uma consulta grátis àqueles bem-intencionados que, mesmo diante da mais escandalosa evidência de que um "companheiro" está envolvido com a escória do mundo, sente um forte desconforto, seguido por uma vontade quase irresistível de negar fatos mesmo quando estes se manifestam bem diante do próprio nariz.

O que você sente é conseqüência daquilo que os psicólogos definem como dissonância cognitiva, ou seja, o desconforto de manter duas idéias psicologicamente conflitantes. Quando estamos diante de um cenário de dissonância cognitiva, geralmente lidamos da seguinte forma: (A) Reavaliamos as idéias em conflito, o que é raro ou (B) distorcemos a realidade para eliminar a dissonância.

Exemplo:

A: Pessoas de esquerda são pessoas de bem preocupadas apenas com o bem estar do povo.
B: Políticos de esquerda estão envolvidos com narcotraficantes.

Estes dois eventos, conflitantes entre si, geram uma dissonância cognitiva na cachola do esquerdinha bem-intencionado. Para acabar com tal desconforto, o esquerdinha tem duas alternativas:

1) Reavaliar a sua opinião sobre a esquerda.
2) Distorcer a realidade para que o evento B tenha sua gravidade minimizada ou até mesmo a sua ocorrência seja negada.

Se o esquerdinha dedicou muito tempo de sua vida à política, o processo 1 é muito doloroso, pois gera uma outra dissonância cognitiva, ainda mais intensa e profunda:

A: Eu sou uma pessoa educada e razoavelmente inteligente
B: Eu dediquei anos de minha vida a defender um bando de safados, alguns semi-analfabetos.

Diante deste outro desconforto, ainda mais intenso, é necessário ter muita força para alguém admitir que jogou fora anos de sua vida, defendendo algo torpe. Nesta hora, a mente busca o conforto e a tendência é negar que aqueles a quem apoiou são safados e que, na verdade, são vítimas de alguma conspiração maligna. No nosso exemplo, as notícias sobre o envolvimento de pessoas da esquerda com narcotraficantes são, obviamente, parte dessa conspiração.

Curiosamente, durante esse processo de "ajuste da realidade" para eliminação da dissonância cognitiva, a pessoa tende até mesmo a intensificar a defesa do seu ponto de vista "defeituoso". Com a criação dos espaços nos jornais para que os leitores comentem as notícias podemos notar claramente que, quanto mais denúncias contra os membros do governo, mais intensas são as reações daqueles leitores que os colocaram no poder. É sempre uma conspiração da direita, da mídia golpista, de agentes a serviço do imperialismo americano, etc. Ramente vemos alguém reavaliar a sua opinião.

A dissonância cognitiva é algo a qual todos estamos sujeitos. Apenas usei o caso PT x FARC x jornalistas porque os exemplos estão abundando por aí.