23 janeiro 2009
Era uma vez
Era uma vez um condomínio que tinha uma belíssima vista para o mar. Todos seus moradores eram muito orgulhosos da vista que desfrutavam e a exibiam a visitantes e moradores de outros condomínios. Era algo tão belo que praticamente havia se tornado marca registrada daquele condomínio. Infelizmente nem tudo eram flores. Usando o mesmo acesso que proporcionava a vista maravilhosa aos condôminos, ladrões entravam no condomínio para efetuar roubos e pequenos delitos. Num certo dia, o pior aconteceu: um grupo de criminosos violentos invadiu o condomínio, estuprou, assassinou e cometeu vários atos bárbaros. Os moradores ficaram chocados. Nunca se imaginaram naquela situação. O síndico, pressionado pelos moradores que exigiam mais segurança para si, propôs a construção de um grande muro para impedir a entrada de criminosos. Porém, este muro também bloqueava a maravilhosa vista que era motivo de orgulho para os condôminos. Traumatizados pelos recentes acontecimentos, os membros do conselho aprovaram a idéia do muro, que foi finalmente construído. E nunca mais houve um incidente sequer no condomínio envolvendo invasores. O tempo foi passando e o trauma dos ataques foi cedendo lugar a uma nostalgia pela vista perdida. Muitos passaram a questionar o síndico, argumentando que o muro não era mais necessário. Entretanto ataques a outros condomínios continuavam a acontecer e nada dava a entender que uma mudança de cenário estava próxima. O síndico, apoiado pelo conselho, decidiu manter o muro. Pouco a pouco, com os moradores se sentindo mais seguros, as reclamações em relação ao bloqueio da vista foram aumentando. Chegada a época de escolher o novo síndico, um candidato passou a prometer que, se eleito, iria trazer de volta a maravilhosa vista que tornou famoso o condomínio. Todos os moradores ficaram entusiasmados com a perspectiva de terem sua vista maravilhosa de volta. Não se falava em outra coisa. Tanto tempo sem ataques fez com que a segurança do condomínio fosse considerada um fato garantido, que não requeria manutenção. Na verdade, o síndico atual passou a ser lembrado apenas como aquele que “tirou de nós a maravilhosa vista que costumávamos ter.” Nada mais se falava sobre o fato de nunca mais ter havido um ataque sequer ao condomínio após a construção do muro. E então o novo síndico foi escolhido. No dia seguinte à sua posse, todos foram lhe perguntar quando o muro seria demolido. Aos moradores ele disse que isso não era algo para ser feito de um dia para o outro, que algumas coisas precisavam ser consideradas e que a segurança do condomínio era mais importante. Um morador mais exaltado retrucou que “isso era o que o síndico anterior dizia, ora bolas!” Dez administrações após, o muro continua lá, não houve nenhum ataque e todos que conhecem o síndico que construiu o muro juram que ele mantém um risinho irônico permanente em sua cara.